Glass em sua casa, hoje no Circo:
Piano Solo
PHILIP GLASS
24 Junho, domingo, 22.00, SP
www.philipglass.com
€ 30 € 20
Glass dispensa apresentações. No ano em que comemora 70 anos de existência, apresenta-se hoje em Braga, a solo, lembrando ser o mais importante criador de bandas sonoras da actualidade e um dos mais importantes criadores vivo. Momento raro, a não perder.
7 Comments:
Local: Theatro Circo, Braga
Data: 24 de Junho de 2007, 22.00h
Evento: Philip Glass, solo piano
1. Prelúdio.
Devo antes de mais assegurar a música de Philip Glass (n. 1937) é do meu agrado, e a sua estética é-me familiar. Aprendi, com 15 anos, a famosa peça “The heart asks pleasure first” de Michael Nyman (n. 1944), da banda sonora do filme “The Piano” de Jane Campion. Mais tarde, estudei (sem nunca ter tocado) uma peça de Steve Reich (n. 1936) para seis pianos. Apreciei muito o filme “The Hours”, de Stephen Daldry, com a sua obcessiva banda sonora. Não escrevo, portanto, contra a música de Philip Glass, apenas contra o meio.
2. Estudos (música, palco e comunicação)
O compositor norte-americano John Corigliano (n. 1938), agraciado com o Prémio Pulitzer em música, dizia, numa conferência sobre composição que escutei, que a principal preocupação de um compositor deve ser a inteligibilidade. Deve-se saber o que se quer dizer a um público, e em seguida usar a melhor maneira de efectuar essa comunicação. Parto desta permissa para comentar o recital que acabei de ouvir, na minha cidade natal, do compositor Philip Glass. Glass apresentou em Braga uma retrospectiva da sua produção para piano de 1979 a 1999, como o próprio o disse no recital. Escusado será dizer que as obras mais emblemáticas de Glass, e as que mais sucesso têm no público e na crítica, estão longe de ser as suas peças para piano (ele próprio define-se como um compositor cénico). Assim sendo, um recital de piano solo nunca seria, nem poderia ser, uma amostra do Philip Glass “real”, o compositor de “Einstein on the beach” ou da banda sonora de “Kundun” de Scorcese. O meio restrito do piano acentua a abstracção numa música que ganha vida nas suas justaposições com as artes cénicas, ou mesmo apenas com a palavra escrita ou falada. A ideia de criar um ambiente musical para nada, seja extraindo música do contexto cénico que lhe deu vida, ou tentando com o mesmo vocabulário estético apresentar peças para piano solo que se bastem a si próprias, fracassa quanto a mim, em parte devido à própria natureza “decorativa” (no melhor sentido) da linguagem musical, e em parte devido às claras limitações de Glass enquanto pianista e “solo performer”.
Compositores há, como o também norte-americano Lowell Liebermann (n. 1961), que pelas suas grandes qualidades de pianista, e também pela natureza abstracta e instrumental das suas composições, se tornam veículos quase ideais da sua própria obra. Entre nós, posso citar o caso de Bernardo Sassetti (n. 1970), um pianista com notável domínio dos recursos expressivos do instrumento, que lhe permite ser o intérprete perfeito para a sua música, como por exemplo na banda sonora do filme “Alice” de Marco Martins (tive oportunidade de ouvir Sassetti tocar, em recital, aqui mesmo em Braga, excertos dessa banda sonora, com uma qualidade e um requinte pianísticos muito acima de qualquer coisa que Philip Glass tenha tocado esta noite; Sassetti conseguiu levar-nos - o filme ainda não tinha estreado nas salas de cinema - ao mundo angustiado de pais em busca de uma filha desaparecida).
Não é este o caso de Philip Glass, apesar de o facto de se apresentar numa tournée européia em recitais de piano solo nos pudesse querer dizer o contrário. Glass, para além de escrever música cuja instrumentação mais feliz não é certamente piano solo, é bastante limitado como pianista (a título de exemplo, os pedais displicentes, as inconsistências rítmicas e mesmo os ocasionais erros de notas, tudo isto aliado a uma certa atitude de “anything goes” que fazia pensar que o importante era o facto de ele, Philip Glass, estar ali em palco, e não a música que tentava que se fizesse ouvir). A opção pela amplificação do piano também revela falta de controlo de um instrumento que, na maior parte das salas de concerto, se basta a si mesmo (salas como o Carnegie Hall de Nova Iorque e a Philharmonie de Berlim, com o dobro do tamanho, não necessitam de amplificação; é mesmo necessária no Theatro Circo?).
Em somando estas duas condicionantes – música deslocada do seu meio cénico, mais um bom compositor que se revela um pianista medíocre – não podemos ter um resultado de monta. O público do Theatro Circo é cortês, e respeita a grande carreira e obra de Phillip Glass, mas não creio que tenha saído deslumbrado, indagando quando poderá voltar a ouvir um novo recital do compositor, Pessoalmente, senti-me defraudado nas minhas expectativas. Vieram-me à memória a figura pouco lisongeira de Michael Nyman (ainda assim, pianista de maiores recursos que Glass) tocando na cerimónia de abertura da EXPO’98 em Lisboa, como um peixe fora de água, ou ainda um concerto estranhíssimo de Caetano Veloso no Carnegie Hall, em que cantou quase exclusivamente música norte-americana, em inglês, culminando com uma inenarrável versão de “Come as You Are”, dos Nirvana de Kurt Cobain, acompanhado ao violoncelo eléctrico por Jaques Morelembaum!!! Já tivera oportunidade de ouvir Philip Glass antes, mas sempre integrado em grupos, como o Bang on a Can All-Stars, e o resultado comunicativo foi muito maior do que este evento em Braga.
Em relação a Philip Glass, posso pensar em duas razões para se comprometer com este tipo de projectos: ou acredita sinceramente que está a fazer um bom trabalho, prestando um serviço não só à sua música como também aos que a ouvem, e aí é necessário que alguém lhe diga que não o está a fazer; ou então, está perfeitamente consciente da displicência com que se apresenta (algo intuído no comentário que fez a uma das peças que tocou, “Night on the balcony”, dizendo que já não se lembrava de qual era a cena de onde foi retirada a música, mas gostava do título...), e apenas capitaliza no seu nome e obra para ganhar dinheiro como performer, ludibriando quem o vai ouvir.
3. “Closing”.
Uma última palavra para a direcção de programação do Theatro Circo (se os responsáveis estivessem identificados no site da sala, podia deixar uma nota mais particular). Da programação a que tive acesso desde Janeiro, constato da presença quase simbólica de espectáculos de música dita erudita, e a quase ausência da sub-categoria recitais de piano. Pensei, na minha inocência, que o recital de Philip Glass serviria para, com grande afâ, colmatar essa brecha. Depois de estar lá, perdi a inocência. Não posso deixar de pensar em quanto custa um recital destes (às contas da Câmara, aos dinheiros da União Européia), e também começo a questionar o critério de programação. É óbvio, um flop acontece, as coisas às vezes não são o que parecem, mas parece-me que só uma pessoa que nunca tenha ouvido Philip Glass, e especialmente a sua música para piano, poderia pensar que este evento seria uma boa aquisição (em boa-fé, suspendi o meu juízo ao ir ao recital, dizendo para mim mesmo que, se o estão a apresentar, é porque deve ser bom; queria que me mostrassem que a minha intuição estava enganada; afinal confirmaram-se os meus receios...). É claro que não é todos os dias que uma figura como Glass visita Braga, mas isso não lhe dá o direito de apresentar um espectáculo medíocre, nem dá ao Theatro Circo o direito de propagandear o nome sem ter atenção ao conteúdo. Como numa vulgar compra por catálogo, quando não ser conhece o produto, a probabilidade de receber gato por lebre é elevada. E não me parece que o Theatro Circo tenha tanta folga orçamental para se dar ao luxo de, com programação criteriosa, se deixar levar assim... Mais, como instituição que se quer de referência na programação cultural bracarense, exige-se uma orientação mais clara. Numa casa com esta implantação e responsabilidade para com a cidade, o programador deve ter vistas largas, e apresentar um menu enriquecedor, não apenas de encontro aos seus gostos estéticos pessoais, mas sobretudo tentando ser o mais abrangente possível nas ofertas do Theatro Circo, primando sempre pela qualidade (às vezes mesmo em detrimento dos “grandes nomes”...).
Miguel Campinho
Pianista
campinho@gmx.net
Vem me parecia que tão longa prosa trazia água no bico...: criticar o director artístico do Theatro Circo.
Caro sr. Campinho, acredite que se há homem de “vistas largas” a programar em Portugal é o sr. Paulo Brandão, que o sr. Campinho, espante-se, diz desconhecer. Se não, atente-se em alguns dos nomes que trouxe a Braga em apenas 8 meses, e que provavelmente o sr. Campinho não viu. Além do Theatro Circo, diga-me um, e só um espaço no país com uma programação tão rica:
Patrícia Barber,
Antony and the Johnsons,
Lisa Germano,
Maximilian Hecker,
Brad Mehldau
Patrick Wolf,
Mouron & Terry Truck,
Perry Blake,
James Saft,
Allen Toussaint,
E só estou a citar aqueles que tocaram piano…
Uma opinião pessoal: o concerto de Glass foi magistral e obrigou o pianista norte-americano a dois encores, com o público de pé. Ou o sr. Campinho era o único culto na sala e ficou sentado?
Caro sr. Campinho, só uma curiosidade?
Conhece o Lichfield Festival, em Staffordshire?; e o Rose Theatre, no Lincoln Center, em Nova Iorque?; e já ouviu falar no prestigiado Festival de Outono de Madrid?; e no famoso Carnegie Hall, também em Nova Iorque? – ainda este ano, Philip Glass vai passar por todos eles, a solo… Talvez o sr. Campinho lhes queira enviar uma cartinha!!!
João Tractor
afinador de pianos
joaotractor@gmail.com
Estou de acordo que um recital de piano solo nunca seria, nem poderia ser, uma amostra do Philip Glass “real”, como aqui foi dito.Mas n era isso que se pretendia. Quem conhece minimamente o seu trabalho sabe que o piano nunca poderia trazer a força de Itaipu, ou o exotismo de Powaqqatsi...
E mesmo com algums falhas de interpretação aqui e acolá, como apreciador da sua música achei o recital inesquecível. Superou muito as minhas expectativas. De qq modo, para mim, a simples presença deste compositor na mesma sala, seria suficiente para ficar de pelos em pé. Contudo, não tenho duvidas que para quem n conhece a obra deste compositor, grande parte do recital tenha sido um grande aborrecimento.
Caro João Tractor:
A minha intenção ao comentar o concerto foi expressar a minha desilusão (pessoal) acerca de um concerto que imaginava melhor do que o que foi. Convém esclarecer que os meus gostos em termos de recitais de piano solo vão para outras áreas da expressão artística musical, áreas essas às quais o único músico a elas ligado na programação do Theatro Circo até ao momento foi exactamente Philip Glass.
Não discuto a inferioridade ou superioridade de certos tipos de música sobre outros, assumo que prefiro a música dita clássica (ou erudita, dois chavões equívocos que espartilham a música, mas que à falta de melhor usamos). Aprecio o refinamento no tratamento do instrumento, e aprecio o instrumento como veículo de expressão pessoal (penso que estou de acordo com a generalidade do público.
A crítica à escolha de programação é, tão-somente, a tristeza de não ver mais música "clássica" programada.
Quanto à questão de cultura, creio que é um acto cultural assistir a uma qualquer manifestação artística, assim como creio ser um acto cultural a expressão de opiniões e sensações acerca dessa mesma manifestação artística. No concerto de ontem, aplaudi, mas não correspondeu às minhas expectativas (pessoais).
Quanto à digressão européia e norte-americana de Philip Glass, de certeza que, como todos os grandes artistas, vai encontrar gente que idolatre os seus recitais, e gente que os critique (e gente com muito mais verve, renome, e partidarismos do que eu...). Isso só quer dizer que vale a pena considerar a obra de Philip Glass, a verdadeira arte não é unânime, antes polémica. E assim como há gente (do mais alto gabarito no meio musical norte-americano) que considera a música de Glass "música pop simplista travestida de música erudita" (eu não partilho dessa opinião), permita-me considerar que há muito mais Philip Glass a ver e ouvir do que no formato de recital de piano solo.
Como lista de desejos, há dois pianistas (podiam ser vinte, mas estaria no céu com esses dois) que gostaria de ver em Braga:
Pierre-Laurent Aimard
Zoltan Kocsis
Talvez veja o meu desejo realizado, quem sabe.
Com votos de boa música e de bons concertos,
Miguel Campinho
estive lá.. adorei!
Sou um fã da música de Philip Glass, contudo e para infelicidade minha falhei este evento.
Porquê? Bem... eram cerca 22horas do dia 24 de Junho, quando folheava um jornal diário e reparo através da programação cultural calendarizada por aquele jornal, que naquele preciso momento Philip Glass dava início a um concerto na minha cidade.
Diriam-me concerteza que não poderia ser mais simples: www.theatrocirco.com ou www.teatrocirco.blogspot.com.
Acontece que nem todos acedem à internet com tanta frequência e mesmo que o façam não quer dizer que tenham estes sites nos favoritos.
Não sei se pretendem um público de elite, mas julgo eu, que essa informação devia ir ter com o cidadão e não o cidadão com a informação. Não vi um único cartaz se é que houve cartazes a publicitar a oportunidade rara de ver o nova-iorquino em Braga.
Não critico a programação, pelo contrário, esta não podia ser melhor, mas estou descontente como o Theatro Circo se relaciona com a sua cidade ou como chega até ela.
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